sexta-feira, março 25, 2016

Ceilândia: uma aniversariante repleta de contrastes


Quando Stael Gomes chegou a Ceilândia, a cidade sequer existia. Era um amontoado de gente morando em barracos de madeira sobre a terra vermelha. Quarenta e cinco anos se passaram, a região tomou corpo, sua casa agora é bem localizada e de alvenaria, mas basta andar um pouco mais para encontrar quem more na mesma situação de quase meio século atrás. A maior cidade do Distrito Federal é cheia de contrastes. Tem problemas,   falta de estrutura,   culturas adaptadas e   identificação orgulhosa da população com a periferia.
A história da dona de casa Stael Gomes,   51, se confunde com a criação da capital. As mãos de seu pai ajudaram a erguer as paredes de Brasília, e a família se mudou do acampamento de candangos quando a Campanha de Erradicação das Invasões (CEI) foi criada. Ela cresceu   com Ceilândia, estudou em escolas públicas dali, formou família, teve a filha no hospital regional e a criou sobre o mesmo chão.   
“Eu adoro morar em Ceilândia e não abro mão. Não mudaria nem para perto, em Taguatinga. Aqui, a cidade vive até durante o fim de semana. Tem cultura por toda parte. É claro que precisa de mudanças. Mas também tem que ser de dentro para fora. Nós, que moramos aqui, temos que lutar por uma cidade melhor”, acredita a dona de casa, que sonhava em ser arquiteta para dar casas aos que moravam em barracas.
Nos últimos 11 anos, a população ceilandense cresceu 47%, e 60% das residências novas foram construídas. Em 2004, pouco mais de 332 mil pessoas viviam na região, número que saltou para 789 mil em 2015, segundo a última Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) da  Companhia de Planejamento do DF (Codeplan). 
Violência
Ao mesmo tempo em que a população cresceu, a criminalidade se expandiu e é maior que a média distrital. Dados históricos da Secretaria de Segurança Pública mostram que a taxa de crimes contra o patrimônio, como roubos e furtos, passou de 1.697,9 em 2005 para 2.007,2 em 2015 para cada grupo de cem mil habitantes. Proporcionalmente, o aumento nesses tipos de infrações cresceu 18%. 
Só os casos de homicídio tiveram aumento de mais de quatro pontos percentuais. Em 2005, 79 assassinatos foram registrados, contra 111 dez anos depois. No entanto, quando considerados todos os crimes violentos letais e intencionais, que incluem latrocínio e lesão corporal seguida de morte, a variação da taxa foi de 24,4 para 26,9 a cada cem mil habitantes no mesmo período.
Ponto de vista
"Não tem o que comemorar", dispara o rapper Japão, idealizador do grupo Viela 17, que completou 26 anos na música. Da mesma idade de Ceilândia,   ali ele nasceu, foi criado e construiu sua carreira. No fim do ano passado, gravou seu primeiro DVD na Casa do Cantador. "Ceilândia é esquecida. Há muito o que melhorar. As benfeitorias, quando acontecem, vêm carregadas de expulsar quem é pobre. Só não esquecem quando tem que pagar imposto e cobrar votos. Eu vivo bem com isso, mas torço que melhore em nome do coletivo", pede.
A construção cultural da cidade, diz, foi provocada por uma resposta diante do abandono do poder público: “As pessoas foram se adaptando, fazendo churrasco em casa, dançando break na esquina ou tocando um rap na praça”. Com seu rap, conta que tenta fazer com que as pessoas tenham mais amor e menos ódio. Para ele, é diferente ser de Ceilândia e difícil de colocar em palavras. "É um País de contradições. Na segunda-feira, pode estar boa, na terça, um desastre. Muitos já tiveram vergonha de ser daqui. Hoje, todo mundo quer ser de Ceilândia”, finaliza.
Praça do Cidadão se tornou exemplo
Onde hoje fica a Praça do Cidadão, na QNM 18/20, já foi palco de guerra. O lugar era ponto de tráfico de drogas e de conflito entre gangues das quadras 18 e 22, situação que persiste em menor escala na atualidade. O espaço foi transformado em um setor com serviços públicos, com Agência do Trabalhador e Farmácia de Alto Curso. 
“A praça é um retrato de contrastes em vários sentidos, quando se vê o que era e o que se tornou. E não há espaços com essa infraestrutura em Ceilândia. Temos uma quadra de esportes com arquibancada, um coreto de uso livre, sala de dança e atividades culturais. Não há outros locais de convivência como esse. A Praça do Cidadão se tornou um exemplo de cultura urbana”, comemora o morador Antônio de Pádua, 37 anos, coordenador da Rede Urbana de Ações Socioculturais (Ruas).
Acesso cultural limitado
“Nós não somos todos Brasília. Em Brasília, há muitos cinemas por metro quadrado, tem teatro acessível. Aqui não temos nem um nem outro. O acesso a esse tipo de espaço cultural é limitadíssimo”, critica Antônio. 
Para ele, a cultura que deveria ser possível obter na própria cidade depende de um deslocamento muitas vezes inexistente. Após certo horário, acrescenta, os ônibus param de passar.
Ceilândia, então, teve que se virar para estabelecer pontos culturais nas praças, ruas e casas. Com samba, rap, hip-hop, funk e poesia, o talento do ceilandense ecoa pelos becos. 
“Temos muitos pontos de cultura, mas nossas limitações nos obrigam a fazer atividades diferentes. Tudo tem que começar e acabar cedo porque a gente sabe que nosso público tem problema de deslocamento até mesmo dentro da própria cidade”, explica o coordenador da Ruas.
Caso de amor estampado
O orgulho por Ceilândia está declarado por toda parte da região. Da origem de setor criado para o fim das invasões até que a população reconhecesse a identidade de periferia foi muito tempo. Hoje, a sigla CEI foi transformada em caso de vaidade estampado em camisas e bonés com uma declaração de amor. 
“Tem que amar nossa quebrada. Já há aceitação, identidade e amor pela cidade, principalmente das novas gerações que nasceram, cresceram e vivem aqui. As pessoas estão valorizando mais morar na cidade. A vergonha de morar aqui está desaparecendo”, comemora o morador e coordenador da Rede Urbana de Ações Socioculturais (Ruas), Antônio de Pádua.
Agora, diz, já dá para ir para a balada e dizer para a “mina” que é de Ceilândia. “Há até uma questão de status no ‘made in favela’, ‘made in periferia’. É quase tirar onda. Antigamente, não era assim. Agora não negamos, temos orgulho”, garante.
Esse orgulho foi evidenciado na semana passada, durante o  I Festival de Música de Ceilândia. Ao todo, 16 MCs participaram de uma batalha, mas também houve estilos musicais variados. Entre eles, música gospel e sertaneja, além de forró e outros ritmos nordestinos que também são a cara da região.
Programe-se
Corte do bolo
Quando: Domingo, das 9h às 12h 
Onde: Feira Central de Ceilândia
Finais do XXV Campeonato de Fut 7 Society de Ceilândia
Quando: Domingo, das 8h às 18h  
Onde: Praça Poliesportiva da QNM 10
Parceiro: Liga Poliesportiva e Cultural de Ceilândia - Lipocc
Domingão da Família
Quando: Domingo, das 8h às 18h  
Onde: Centro Cultural – QNN 13, Área Especial – Ceilândia Norte
Circuito de Feiras
Quando: de 28 a 30/03, das 8h às 18h 
Local: Centro Cultural de Ceilândia - QNN 13, Área Especial – Ceilândia Norte
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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